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O alerta da Anatel sobre um possível “apagão de dados” no Brasil acendeu um sinal vermelho para o futuro da economia digital. A explosão no consumo de dados — impulsionada pela inteligência artificial, streaming e internet das coisas — colocou em xeque a capacidade da infraestrutura nacional de acompanhar a demanda. Nesse cenário, o ReData, novo regime especial de incentivo fiscal voltado para data centers, surge como a resposta mais concreta e estratégica do país para evitar um colapso digital e acelerar sua inserção na economia global de dados.
Instituído por Medida Provisória em setembro de 2025, o ReData integra a Política Nacional de Data Centers (PNDC) e a Nova Indústria Brasil, dentro da Missão 4: Transformação Digital. O objetivo é claro: tornar o país um hub digital competitivo, sustentável e inovador, capaz de atrair investimentos e fortalecer a cadeia produtiva nacional.
“Assim como a Lei da Informática foi um marco para a indústria de tecnologia nos anos 1990, o ReData tem o potencial de ser o motor da nova infraestrutura digital do país”, avalia Valter Pieracciani, especialista em inovação e políticas de incentivo, que participou de projetos estruturantes do setor. “Estamos diante de uma medida que pode garantir a soberania digital do Brasil e evitar um apagão que teria impactos em todos os setores produtivos.”
Incentivos que reduzem custos e aceleram investimentos
O principal atrativo do ReData está na redução de até 30% nos custos de implantação e modernização de data centers. O programa isenta empresas habilitadas de tributos federais como PIS/Pasep, Cofins, IPI e Imposto de Importação sobre equipamentos e componentes que integrem o ativo imobilizado das operações.
Esses incentivos valem tanto para produtos nacionais quanto importados — quando não houver similar produzido no país — e se estendem também a fornecedores coabilitados. Na prática, isso torna mais viável a aquisição de servidores, sistemas de rede, refrigeração, armazenamento e infraestrutura energética, aliviando um dos maiores gargalos do setor: o alto custo inicial de capital.
Além do alívio fiscal, o ReData tem foco na descentralização geográfica, incentivando a instalação de data centers fora dos grandes polos de São Paulo e Sudeste. Regiões como o Nordeste e o Centro-Oeste terão metas reduzidas de contrapartidas em P&D e mercado interno, o que pode impulsionar polos emergentes como o Porto de Pecém (CE), próximo a cabos submarinos e fontes de energia limpa.
Sustentabilidade e inovação no centro da política
Um dos diferenciais do ReData é exigir contrapartidas estruturantes e sustentáveis. As empresas participantes deverão destinar 10% da capacidade de processamento e armazenamento para o mercado interno, investir 2% do valor dos bens incentivados em P&D&I e garantir que suas operações usem energia limpa e padrões de eficiência hídrica, com índice WUE inferior a 0,05 L/kWh.
“É uma política que une tecnologia, sustentabilidade e desenvolvimento regional. O Brasil pode transformar seu diferencial energético — mais de 90% da matriz é renovável — em uma vantagem competitiva global”, explica Pieracciani.
O especialista destaca que, ao atrelar incentivos a metas ambientais e de inovação, o programa se alinha às tendências internacionais de ESG e economia verde digital. “Esse modelo não apenas atrai investimentos, mas também induz boas práticas e consolida um ecossistema mais resiliente e ético”, afirma.
Competitividade global e soberania digital
De acordo com estimativas da Brasscom, o mercado brasileiro de data centers deve movimentar US$ 11,4 bilhões em 2026 e quadruplicar a capacidade instalada até 2037. Atualmente, o país representa 1,4% da infraestrutura global, mas tem potencial para alcançar 6% em pouco mais de uma década.
Comparado a países emergentes como Índia, África do Sul e Indonésia, o Brasil se destaca pela combinação de escala, estabilidade energética e ambiente regulatório favorável. “Enquanto outras nações ainda lutam com custos de energia ou falta de clareza legal, o Brasil pode se tornar um polo seguro, verde e competitivo para operações digitais globais”, pontua Pieracciani.
Desafios e próximos passos
Embora promissor, o ReData ainda aguarda definições regulatórias essenciais — como o que será considerado “energia limpa”, os critérios de sustentabilidade e os bens elegíveis para o regime. A Medida Provisória deve ser votada até o início de 2026, e sua regulamentação será decisiva para garantir previsibilidade jurídica e atratividade de longo prazo.
Mesmo assim, o setor já enxerga o programa como uma mudança de rota histórica. “Sem o ReData, o Brasil corria o risco de um apagão digital — algo que não é mais uma hipótese distante. Com ele, temos a chance de transformar essa ameaça em vantagem competitiva”, conclui Pieracciani.
Com o ReData, o país não apenas evita um gargalo tecnológico iminente, mas abre caminho para uma nova economia baseada em dados, inovação e sustentabilidade. Em um mundo cada vez mais digital e dependente de infraestrutura robusta, o Brasil parece finalmente disposto a jogar no mesmo nível dos grandes players globais — e, talvez, a liderar a partida.